[Errata] Sensibilidade: super-poder ou criptonita?
Mesmo com todas as edições, às vezes passam algumas coisas. Peço desculpas e aqui está a versão final.
Olá! Meu nome é Pat Tischler e In-Sight é onde divulgo os vários textos e histórias que escrevo. Para quem acabou de chegar, bem vindx!
Se você não sabe o que esperar, tanto melhor. No meu primeiro post, conto um pouco sobre a minha trajetória e isso pode ajudar a compreender minha proposta.
O texto de hoje faz algumas reflexões sobre sensibilidade e sobre as diferenças entre o corpo feminino e o corpo masculino.
Creio que já mencionei algumas vezes por aqui: sou extremamente sensível.
Isso significa que a maioria das interações que tenho me atingem de uma forma mais forte do que acontece para a maioria.
E após décadas em que acreditei ser isso algo indesejável, recebendo conselhos de que eu precisava aprender a me blindar, resolvi parar de tentar atender às expectativas alheias e desenvolvi formas mais gentis, comigo mesma, de lidar com essa característica que é uma parte intrínseca de quem sou.
Estar em locais com muita gente, ou em situações em que a minha atenção fica sendo exigida o tempo todo, drenam a minha energia mais do que correr uma maratona.
Então preciso de mecanismos que me permitam, regularmente, recuperar o fôlego.
Atualmente, eu respeito a minha necessidade de passar períodos longos e regulares sozinha, em silêncio, sem estímulos. Criei formas de internalizar minha atenção quando me sinto cansada demais para interagir. Meus finais de semana são normalmente livres de compromissos, para que eu possa recarregar as energias, após uma semana exaustiva de trabalho. Coloco limites claros em meus meios de comunicação pois não, não estou sempre disponível às necessidades alheias.
De uma certa maneira, tornei aquela parte das orientações nos vôos, que fala sobre primeiro colocar a máscara de oxigênio em si para depois ajudar aos demais, como a regra em meu dia-a-dia. Só assim consigo não me sentir oprimida pelas demandas externas.
Hoje percebo que, inclusive, essa era uma das razões para todas aquelas atividades físicas a que me dedicava. Atividades, essas, sempre individuais: trampolim acrobático, natação, yoga. Pois enquanto as praticava, era só eu comigo mesma.
Essa foi uma boa técnica, que me manteve sã por grande parte da vida, mas ainda assim, não saí ilesa desse excesso de informação que traz a sensibilidade.
Sim, pois é isso que percebo: que qualquer interação me traz, involuntariamente, muito mais dados do que ocorre para a maioria das pessoas. E, com isso, preciso fazer o trabalho duplo de absorver tudo, filtrar e apenas reagir ao que está sendo efetivamente explicitado.
E enquanto tentei disfarçar (ou negar) a minha sensibilidade, tudo o que eu podia fazer era anestesiá-la.
Já comentei, de maneira pouco específica, que eu costumava beber muito. Então vamos lá: dos 14 aos 36 anos de idade, ou seja, por 22 anos, eu abusei de álcool (e tabaco) de maneira consistente, como uma forma de criar a tal armadura. É como se essas substâncias formassem uma neblina em minha mente, que me permitia agir de uma maneira (mais ou menos) normal. E, assim, conseguir manter "relacionamentos" familiares, íntimos ou de amizade, sem trazer a minha carga emocional real para eles.
Ou, pelo menos, na maior parte do tempo. Pois volta e meia algo acontecia que me pegava desprevenida e a reação, aparentemente desproporcional, os deixava sem entender nada.
Passei grande parte da vida sem permitir que me conhecessem de verdade, por medo da rejeição implícita que ser taxada de “muito sensível” acarretava.
Tenho certeza que se eu tivesse crescido nos tempos atuais, teria sido sumariamente diagnosticada e medicada desde criança. Mas agradeço ter nascido em uma época em que essa exigência do "normal" ainda não era tão extrema.
Minha sensibilidade não é uma escolha. Ela faz parte da minha constituição. E é algo que me traz tanto benefícios quanto complicações.
Eu não acho que ela deva ser anulada ou suavizada. Apenas compreendida.
É a minha sensibilidade que me permite ter compaixão. É a minha sensibilidade que faz com que eu literalmente veja fotos, antes de tirá-las. É a minha sensibilidade que ativa a minha criatividade para escrever.
Sempre me impressionou essa necessidade de se neutralizar qualquer comportamento que seja fora de uma suposta curva de normalidade.
Na época em que eu comecei a ganhar peso (lembram do meu post Dos 50 aos 80. Kilos?), e que descobri uma disfunção da tireóide, comecei um longo processo investigatório sobre suas causas. E uma das descobertas mais essenciais que fiz dizia respeito à diferença entre o corpo masculino e o corpo feminino.
Esse é um assunto bastante complexo, que começarei a abordar aos poucos.
Mas, em essência, uma das conclusões a que cheguei é de que a criação desses parâmetros de normalidade vêm de uma necessidade masculina. Explico:
O corpo masculino é, via de regra, estável, no que se refere aos níveis hormonais que o formam e alimentam ao longo da vida. Com exceção da adolescência, quando os meninos são invadidos por quantidades enormes de hormônios, homens passam o resto da vida sem esse tipo de altos e baixos.
Enquanto o corpo feminino tem cerca de 40 anos de sua vida com alterações hormonais a cada dois dias.
A importância de conversarmos sobre esses ciclos é, para mim, imprescindível.
Mas retornando ao tema central desse post, para todos aqueles que não têm uma experiência direta com essas alterações, e assim não conseguem saber com que elas realmente se parecem, talvez seja mais fácil simplesmente catalogá-las irrelevantes ou exageradas.
Toda a nossa sociedade foi construída com base nesses parâmetros masculinos de normalidade. Isso faz parte do que conhecemos como patriarcado. A forma como devemos nos comportar; a forma como trabalho deve ser feito, recursos alocados, prioridades estabelecidas; a necessidade de regras rígidas que devem ser impostas; estrutura externa; até o tipo de corpo que deve ser considerado "saudável", os tipos de atividades físicas que são consideradas "benéficas", e assim por diante, tudo isso foi construído com base no corpo e nas necessidades dos homens.
A medicina ocidental foi (e ainda é) baseada quase que exclusivamente em parâmetros masculinos.
Faço aqui referência ao trabalho de uma neurocientista americana, cujas descobertas me ajudaram a dar uma guinada na forma como eu entendo o meu corpo e a minha
"Sensibilidade".
O nome dela é Louann Brizendine, e em seu livro "The female brain" (O cérebro feminino) ela conta sobre a forma como percebeu que as pesquisas científicas, em geral, descartavam quaisquer dados dissonantes como sendo irrelevantes, se originados em diferença de gênero. E as descobertas desencadeadas a partir disso e suas ramificações.
Cito, abaixo, algumas conclusões de seu livro, em tradução livre, feita por mim (o trecho original, em inglês, está reproduzido ao final desse post):
"Um dos grandes mistérios de nossas vidas é o por que nós, como mulheres, somos tão apegadas a esse atual contrato social, que normalmente opera de maneira contrária à forma pela qual o cérebro feminino é naturalmente organizado e à nossa realidade biológica. Ainda existem aqueles que crêem que para as mulheres terem igualdade, a norma deve ser o unissex. Mas a realidade biológica, no entanto, é que não existe um cérebro unissex. O medo de discriminação baseada nas diferenças é profundo e, por muitos anos, suposições sobre as diferenças dos sexos ficaram sem ser examinadas cientificamente por medo de que as mulheres não seriam capazes de exigir igualdade com os homens. Mas fingir que mulheres e homens são o mesmo, enquanto é um desserviço a ambos, homens e mulheres, no final das contas fere mesmo as mulheres.
Perpetuar o mito da regra masculina significa ignorar as diferenças biológicas reais das mulheres em severidade, suscetibilidade e tratamento de doenças. Isso faz com que também se ignore as diferentes formas que elas processam pensamentos e, assim, compreendem o que é importante.
Presumir o masculino como regra também significa desvalorizar poderosos dons e talentos específicos do cérebro feminino. Até agora, as mulheres tiveram que fazer quase toda a adaptação cultural e linguística para ingressar no mundo de trabalho. Nós temos nos esforçado em nos adaptar ao mundo masculino pois, afinal de contas, os cérebros femininos são naturalmente bons em mudar."
Na época em que eu tentava compreender o meu ganho de peso, me deparei com uma médica antroposófica que trouxe exatamente essa questão: a de que minha tireóide, que é um dos meus centros produtores de hormônios, estava se sentindo “atacado” pelo meu organismo e, por isso, parara de funcionar. E uma das maiores razões que meu histórico mostrava era a abundância de atividades masculinas em minha vida.
Desde crescer acreditando que sensibilidade era indesejável, até escolher os rumos de minha vida com base em prioridades que não me diziam nada, e que resultaram em um trabalho masculino, em um ambiente não apenas dominado por homens, como extremamente agressivo e cheio de casos de assédio. Sem contar que ashtanga, o tipo de yoga que pratiquei por quase 10 anos, também é muito masculino.
O tema sobre a masculinidade da prática de yoga merece um post à parte, pois independentemente de essa ser a sua característica principal, não há como negar os benefícios que tive com ela, assim como todas as mulheres praticantes que conheço.
Mas o fato é que desde que comecei a tomar consciência de onde estavam os meus maiores focos de frustração, de infelicidade, de dificuldade em me relacionar, percebi a sua correlação com exigências externas de que eu me tornasse e me comportasse como alguém que não sou.
Especialmente agora que estou ficando mais velha, que estou permitindo que minha sensibilidade floresça, já não quero mais ficar me medicando nos meus dias de cólicas agudas, só para me encaixar nesses parâmetros que não respeitam as minhas diferenças.
Da maneira que eu vejo, essa tendência a querer anular os sinais do nosso corpo sobre o que ele precisa é semelhante a obrigar alguém a por a mão no fogo; quando começar a doer, dar um analgésico poderoso de maneira que essa pessoa possa manter a mão no fogo sem sentir a dor.
Já imaginaram as consequências?
Ainda assim, quando olho para traz, não posso negar que muitas vezes, ao longo da vida, minhas reações a certos acontecimentos devem ter sido, sim, desproporcionais ao que estava acontecendo e gerado mal-entendidos.
Ao menos superficialmente.
Em níveis energéticos mais sutis, o meu entendimento é de que haviam outras questões que não eram para ser explicitadas e que, de alguma forma, eu pesquei.
Isso é incômodo. Até bastante irritante.
Quando eu era mais nova, tinha menos instrumentos para lidar com essa abundância de informações, então tudo o que podia fazer era me anestesiar.
Hoje, após ter me dedicado à compreensão do meu corpo, consigo ter uma certa equanimidade.
Em condições normais de temperatura e pressão.
Então estou querendo dizer que todas as mulheres são sensíveis? Não.
Mas dentro do espectro de possibilidades específico do cérebro feminino, me parece que uma sensibilidade como a minha não deve ser assim tão excepcional.
Como nós não fomos educadas a fazer essas distinções e a nos compreendermos melhor, dentro do nosso próprio universo, com base em nossos próprio parâmetros e peculiaridades, também não sabemos qual é a faixa na qual potencialmente podemos agir.
Creio que uma grande parte do que poderiam ser os nossos “super-poderes” ficam perdidos em ignorância e preconceito.
Espero, com esse relato, ter ampliado um pouco a consciência sobre sensibilidade e, também, sobre a importância de prestarmos mais atenção nas diferenças entre corpos femininos e corpos masculinos.
Esse é, aliás, um assunto que passará a figurar de vez em quando em meus textos, sempre como um incentivo à investigação, à curiosidade, para quem sabe chegarmos a conclusões que possam ajudar a trazer mais harmonia às relações.
E faço aqui um convite: para quem se identificou com essa perspectiva ou conhece alguém que poderia ter interesse, por favor compartilhe.
Deixo também a dica do livro a que me refiro de Louann Brizendine, "The female brain", bem como seu contraparte "The male brain", já que, como boa cientista, a investigação que ela fez foi de ambos os cérebros, para compará-los.
O trecho citado segue, abaixo, em inglês.
"One of the great mysteries of our lives is why we as women are so devoted to this current social contract, which often operates against the natural wiring of our female brains and biological reality.
There are still those who believe that for women to become equal, unisex must be the norm. The biological reality, however, is that there is no unisex brain. The fear of discrimination based on difference runs deep, and for many years assumptions about sex differences went scientifically unexamined for fear that women wouldn’t be able to claim equality with men. But pretending that women and men are the same, while doing a disservice to both men and women, ultimately hurts women.
Perpetuating the myth of the male norm means ignoring women’s real, biological differences in severity, susceptibility, and treatment of disease. It also ignores the different ways that they process thought and therefore perceive what is important.
Assuming the male norm also means undervaluing the powerful, sex-specific strengths and talents of the female brain. Until now, women have had to do most of the cultural and linguistic accommodating in the work world. We have been fighting to adapt to a man’s world - after all, women’s brains are wired to be good at changing."
by Louann Brizendine
Obrigada por seguirem comigo, mantendo a mente aberta para esses assuntos complexos que me chamam a atenção.
E até a próxima.