Ouço vozes.
Na tentativa de explicar a um amigo porque sinto a necessidade de escrever mais de uma história ao mesmo tempo, acabei tendo um insight: tenho várias pessoas dentro de mim querendo se manifestar.
Pensou que estou precisando de um remedinho tarja preta?
Calma.
Sabe aquela voz que você só usa para falar com a sua mãe?
E aquela outra que só dá as caras naqueles momentos íntimos com uma pessoa amada?
Ou a confiança da voz cuja audiência te conhece mesmo, de longa data, dos altos, baixos e abismais eventos que fizeram de você quem você é?
Tem também aquela voz de trabalho, não tem? Ela é diferente quando você fala com um chefe e quando fala com um colega. E ainda há uma versão usada, às vezes, para conversar com um subordinado. Não é?
A voz das férias tende a ser diferente da voz da rotina.
A voz da crise tende a ser diferente da voz do ordinário.
Sacou do que estou falando?
Pois muito bem: escrever, para mim, funciona mais ou menos do mesmo jeito. Dependendo da história ou do momento do enredo que estou escrevendo, uso uma voz diferente. E dependendo do meu estado de espírito em certo dia, tenho mais necessidade de falar com uma do que com outra.
Os analistas que fiquem à vontade para tentar explicar o que estou dizendo. A verdade é que essas vozes vêm, sim, de necessidades internas que fazem parte de mim e que preciso expressar.
É por isso que escrevo.
E você pode pensar: para não precisar do remedinho tarja preta?
Bingo!
Cada um dos meus projetos, e aqui não me refiro apenas aos de ficção e nem mesmo só aos meus textos, acessa uma parte diferente do emaranhado que forma a minha personalidade. Tem dia que tudo o que quero é sentar em silêncio e fazer tricô. Em outros, vejo fotos por todos os lados e passo horas tentando capturá-las. Procuro iniciar meus dias subindo em meu tapete de yoga e investigando como estou naquele momento. Mas o que me move para frente, mesmo, é sim a escrita.
Por meio dela, acesso ao que um amigo uma vez se referiu como “O Incrível Mundo de Patricia”, e que aqui chamo de minhas vozes internas.
Vozes que me ajudam a absorver e digerir a realidade, criar enredos para ver onde me levarão, imaginar seres que me recordam de pessoas que conheci, ou que representam aquelas com quem jamais interagi mas gostaria de ter tido a chance.
Vozes que verbalizam diálogos internos, conversas que nunca tive, ideias que só assim tive a coragem de formular, conceitos e conclusões que ficariam sem ser investigados, não fosse a possibilidade de fazê-lo em mundos fictícios nos quais a irrealidade os preserva do escrutínio da plausibilidade.
Quando sinto uma dessas vozes se exaurindo, perdendo a força, por ter botado para fora tudo o que tinha para dizer naquele momento, o exercício de dar chance a uma outra linha de raciocínio dá novo fôlego ao simples ato de escrever.
Criatividade é um músculo que precisa ser exercitado. Certo. Mas ninguém disse que esse exercício precisa ser sempre da mesma forma, batendo sempre na mesma tecla. Se aquele mundo ficcional chegou ao um ponto crítico, cuja continuação precisa ser amadurecida dentro de mim, pensar no meu próximo post da newsletter pode me ajudar.
E quantas vezes não me vi escrevendo uma linha aqui e acabei tendo uma ideia para aquela cena de lá com a qual estive batalhando sem sair do lugar.
Da mesma forma que uma recém-mãe tem momentos em que fica de saco cheio de se comunicar com um bebê o dia todo, e daria tudo por uma conversa de adulto, as minhas vozes também têm um ponto de saturação.
E é aí que acontecem os momentos em que empaco.
Ou aconteceriam pois, ao criar o hábito de escrever vários projetos simultaneamente, permito que minhas pessoas internas se revezem. De preferência, em textos que estejam em estágios diversos de desenvolvimento. Gosto de ter um principal, no qual já estou botando no papel a história propriamente dita, um em fase de edição e outro na etapa inicial de idealização.
Parece confuso?
Pode ser.
Da maneira como vejo, são diferentes tipos de engajamento, os necessários para idealizar algo do nada, para desenvolver os detalhes de algo que já visualizei, ou o que preciso para ler, reler e reler, fazendo os intermináveis ajustes em algo que já botei para fora em sua forma rústica, mas que preciso seguir lapidando e polindo.
Cada uma dessas etapas é diferente e divertida em si mesma.
Ainda assim, quando sento na frente do computador com um desses textos e, após revisar as últimas páginas e gastar algum tempo tentando entrar naquela história (leia-se: acessar aquela voz), se nada acontecer, fecho o arquivo sem um pingo de frustração e abro outro.
Por fim, ao fazer isso com os dois ou três projetos nos quais estou trabalhando, se nada sair, fecho o computador e vou fazer outra coisa. Ainda sem me sentir desapontada comigo mesma por não estar conseguindo escrever.
Não que isso seja fácil.
Escrever é uma necessidade tanto quanto um prazer. Não dar continuidade àquelas fagulhas de inspiração é, em si, frustrante. Mas hoje sei um pouco mais sobre meu próprio processo criativo e compreendo que, para poder criar, antes preciso ter um tempo para não fazer nada, para estar em silêncio. Primeiro preciso sair de mim mesma e do meu modo "solução de problemas" para, só então, ver que parte do meu labirinto interno me chama para conversar.
Agora deu para entender?
A escrita tem uma função semelhante à leitura na minha vida: me tirar da minha realidade. Mas enquanto a leitura me leva a universos fora de mim, imaginados por outras pessoas, a escrita me leva para o meu próprio mundo subterrâneo, para as profundezas da minha criatividade.
Da mesma forma que em mim existe a escritora de ficção, que acabou de publicar seu primeiro romance, também tenho a roteirista, a compartilhadora de viagens, de experiências, de conclusões, de sentimentos, de imagens e assim por diante. Ad infinitum.
Acabo de me dar conta de que este texto deveria ter sido escrito logo no início dessa newsletter. Isso poderia ter ajudado os leitores a compreenderem porque meus textos são de temas, formatos, línguas e realidades tão diferentes. Mas, enfim, precisei desse tempo todo para conseguir organizar mentalmente o que estava fazendo.
E aproveitando as voltas todas que dei aqui, hoje darei início a uma uma nova sessão experimental ao final dos posts, com comentários aleatórios sobre coisas que eu tenha visto ou vivido recentemente. Os assuntos serão múltiplos mas, espero, interessantes.
A deslumbrada: a Dinamarca já está em clima de festas de final de ano e este é O LUGAR para se estar nessa época. As luzes com que eles enfeitam as árvores fazem um contraponto lindo com a luminosidade natural que já não dá muito as caras. As feirinhas de natal trazem comidinhas, bebidinhas e badulaquezinhos deliciosos. E um dos meus recém-descobertos hábitos dinamarqueses favoritos, o de iluminar os lares com velas no dia-a-dia, torna a vida muito mais acolhedora nessa terra de chuvas e ventanias.
A ranzinza: chuvas e ventanias que são de dar medo. Que merda de vento é esse, que transforma a chuva em agulhadas no rosto e ultrapassa as barreiras até de roupas e sapatos impermeáveis??? Sem falar que, aqui, tentar usar um guarda-chuva pode ser altamente perigoso, e acabar levando o seu portador a algum lugar obscuro na Sibéria, em um momento Mary Poppins. Isso se o pobre objeto não tiver que ser jogado no lixo por desistência absoluta de combater o inevitável: o vento fará o que tiver que fazer, e qualquer tentativa de resistência é inútil.
Nota:
Para terminar o ano, na semana que vem publicarei o conto Amor e outras considerações, da série Tragédias Paulistanas.
Essa é uma compilação de histórias inspiradas em fatos reais, mas que não deixam de ser ficção. Apesar de elementos nelas descritos serem, até onde sei, verdadeiros, os contextos e linhas causais foram totalmente inventados por mim.
Por enquanto, este é o único conto pronto para ser publicado. Tenho um em fase de edição e outro em que ainda estou tentando encontrar a voz por meio da qual será contado.
Deixarei vocês com esse primeiro conto, sem um compromisso de quando publicarei o próximo. Okay?
Mas um alerta: essas são histórias que me marcaram em algum momento da vida e nomeá-las “tragédias” não deixa de ser preciso. Ao menos na maneira como eu as entendo.
O ano está acabando e quero deixar um gostinho de um dos muitos projetos que virão em 2024.
Obrigada por me acompanhar por esse ano cheio de aventuras e reviravoltas, sendo a maior delas ter tomado a decisão de voltar a escrever em português, transformar meus projetos em narrativas, e criar essa newsletter para colocá-los no mundo.
E até a próxima.
Vou perseverar. Minhas vozes ainda brigam entre si, aumentando a confusão. Mas vc gostará de saber que o diário ajuda. Ainda me parece tudo muito confuso, mas sinto que pouco a pouco as vozes vão "se dando ouvido". E hoje me toquei que preciso escrever também em português. Thanks for that.