Grimoire #3 - Exercitar a criatividade.
O desenvolvimento de um músculo. O refinamento de quem somos.
Olá! Meu nome é Pat Tischler e In-Sight é onde divulgo os vários tipos de textos e histórias que escrevo. Para quem acabou de chegar, bem vindx! Se você não sabe o que esperar, tanto melhor, pois aqui tem todo tipo de assunto e de formato, ficção e não-ficção. No meu primeiro post, conto um pouco sobre a minha trajetória.
O texto de hoje faz parte do meu Grimoire, ou livro de bruxaria, onde compartilho dicas e reflexões sobre práticas que acho importantes. Hoje falarei sobre a relevância de desenvolver e cultivar nossa criatividade.
Esse é um exercício muito menos grandioso do que a palavra pode sugerir. E muito mais corriqueiro, rotineiro, e essencial.
Não sei quanto a vocês mas, para mim, o termo criatividade sempre pareceu algo fora de alcance, reservado apenas a pessoas que possuem um "dom natural", que se manifestaria independentemente de encorajamento ou, até, apesar de quaisquer dificuldades.
Quando eu pensava nas pessoas que eu admirava por sua música, por seus filmes, por seus livros, havia uma separação tão grande entre quem eu era (ou me sentia) e aqueles grandes nomes das Artes, que tudo aquilo me parecia ser algo inalcançável, apenas para pessoas especiais.
E eu não era especial. Sempre fui valorizada por ser
Organizada.
(Acho que esse é o único "elogio" que me lembro de ter recebido em mais de uma ocasião. De resto, eu nunca fiz nada que chamasse muita atenção).
Okay, a ginástica olímpica e a cama elástica eram minhas vias de expressão, mas ninguém levava isso muito à sério. Era brincadeira. Coisa de criança.
Então, para mim, restou o entendimento de que aquilo era algo passageiro, sem maiores consequências. E que talvez "criatividade", com seus desenhos de aquarela e tentativas mal-sucedidas de moldar argila, também tinha um prazo para ser usufruída mas, depois que eu crescessse, aquilo passaria. Era só uma fase.
Mesmo porque, na minha época, chamar a atenção era uma coisa negativa. Ser "exibida" era quase um xingamento, um demérito, uma falta gravíssima. E muitas vezes o simples fato de "me expressar" parecia próximo demais desse abismo no qual eu não queria cair.
Confesso que mesmo nos campeonatos de cama elástica em que participei, eu não me permitia realmente fazer o meu melhor e entrar para valer no espírito competitivo. Jamais me destaquei, não porque não tivesse capacidade, mas porque não queria chamar atenção, estar no centro dos holofotes.
Eu amava treinar. Me empenhava, me arriscava, dedicava meu corpo e minha alma àquela atividade, mas quando chegava no momento do julgamento, normalmente caía, errava minha rotina, não fazia ponta de pé. E quase sempre terminava desqualificada.
Daí fui estudar direito. Daí fui prestar concurso público. Mas era acompanhada pela eterna sombra da desconexão. O que eu estava fazendo com a minha vida?
Mas, então, fui para o Vietnã, lembram?
Quem chegou há pouco, escrevi um post Sobre o Vietnã, o Sri Lanka e o nascimento (ou descoberta) da minha criatividade, em que conto sobre o processo de realização de que até eu, normalzinha que sou, também posso brincar disso.
Essas são histórias muito pessoais, e cada um tem a sua. Mas o aprendizado que tive é de que todo mundo tem, dentro de si, certos gostos, uma qualidade de olhar, uma forma peculiar de perceber o mundo que pode, e deve, sim, ser explorada, expressada e valorizada.
Pois essa é a manifestação da nossa essência.
Atualmente, vivemos em um mundo que dá valor a isso, muitas vezes até com extremos de exposição que também não são saudáveis.
Mas é possível ter um relacionamento positivo com o que divulgamos. E, vou além, é possível criar sem expor para o mundo. Apenas para o nosso próprio bem-estar e aprimoramento pessoal. Tirar fotos que só nós veremos. Escrever textos que apenas nós leremos. Nós e as pessoas próximas que escolhermos compartilhar esse nosso lado. Está tudo bem.
O exercício da criatividade não precisa ser grandioso.
O importante, a meu ver, é manter essas nossas peculiaridades de olhar ativas, refiná-las e colocá-las no mundo de alguma forma. Nem que sejam passageiras, como uma refeição linda e deliciosa, que será devorada em seguida; ou uma cama bem-feita, com capricho e cuidado, que será desfeita de noite.
E se for possível transformar tais atividades em hábitos rotineiros, que vamos explorando e aperfeiçoando, aos quais dedicamos porções de nosso tempo não por obrigação, não com a finalidade de produzir algo, mas simplesmente por nos trazerem bem-estar em si mesmas, esse é o momento em que temos a chance de valorizar e aprimorar quem somos como indivíduos.
Não como pais, filhos, amigos, companheiros; não como profissionais; não como parte de uma sociedade, mas como pessoas singulares, com um ponto de vista, vivências e peculiaridades.
Para mim, a expressão da criatividade é composta por coisas que me ajudam a explorar meu mundo interior, por meio da forma como registro ou traduzo o mundo exterior.
Fotos que me evidenciam a beleza no mundano, que muitas vezes me surpreendem enquanto caminho pelas ruas durante o meu dia-a-dia. Personagens que crio e que assumem vida própria, seguindo rumos que de alguma forma refletem minhas percepções e reflexões sobre o mundo e sobre a vida. Movimentos inspirados no que o meu corpo precisa explorar naquele momento, que ocorrem naturalmente, sem nenhum planejamento.
Todos esses exemplos são muito pouco intelectuais e muito mais intuitivos.
É diferente, digamos, desses textos que escrevo para a newsletter, nos quais estou colocando no mundo opiniões e considerações, ou contanto histórias que vivi e que podem trazer, quem sabe, alguma clareza ou uma nova perspectivas para as pessoas que os lerem. Estes, são escritos pensando nos leitores. Ou melhor, pensando no que tenho para dizer aos potenciais leitores.
Quando dou asas à minha imaginação para criar histórias de ficção, o prazer está na criação em si, na descoberta do que minha mente trará para compor aqueles enredos, diálogos, para descrever aqueles mundos, ou personagens. Como vou traduzir aquelas imagens e sentimentos que estão dentro de mim, no labirinto da minha individualidade, mas que quando dou forma, se torna algo além de mim.
E essa concretização da imaginação pode ser exercitada, assim como qualquer músculo.
Muitas vezes, fazemos essas coisas normalmente, sem darmos atenção ou valor. Mas se "virarmos a chavinha" da atenção, e pegarmos aquilo que naturalmente nos dá prazer e transformarmos em algo nosso, cuidadosamente elaborado, teremos a chance de criar algo único que exterioriza nossa própria singularidade.
E, uma vez mais, não precisa ser nada grandioso.
Você já foi na casa de alguém e conseguiu ver, por meio dos móveis e decorações, nitidamente a personalidade do morardor? Dá para sentir quando um ambiente é um lar ou apenas uma estada. Quando os objetos refletem aquilo que a pessoa valoriza (seja lá o que for), ou quando sua escolha é meramente burocrática, utilitária, desconectada de um sentindo de pertencimento. Não dá?
O tema decoração está surgindo como um exemplo, pois passei esses últimos 6 meses construindo o meu lar. Não o apartamento, em si, que é alugado, mas a combinação de "coisas" que, juntas, me dão a sensação de conforto, satisfação, acolhimento, que é o que conhecemos como lar-doce-lar.
Já morei em muitos locais mobiliados e, por ser nômade, não me dava ao trabalho de fazer grandes investimentos. Mas sempre havia um detalhe ou outro que me ajudaria a me sentir em casa: uma rede, um cobertor no sofá, uma panela do jeito que eu gosto, uma caneca para tomar o meu café, a cafeteira french-press que eu provavelmente trouxe na mala, já que não consigo ficar sem. Ainda assim, vivi por mais de 10 anos sem ter um lar, propriamente dito.
Agora, estou tendo a chance de exercitar essa parte da minha musculatura criativa, com um exercício constante de visualização e projeção de como eu vou me sentir, ou quais são as minhas necessidades que ainda não estão sendo atendidas para escolher os próximo itens e como vou organizá-los.
Há algumas semanas, passei horas incríveis em um centro enorme que vende plantas de todos os tipos e procedências. Nunca imaginei que encontraria, em um país como a Dinamarca, uma variedade tão grande, tanto de plantas para áreas externas como internas, que de alguma maneira sobrevivem ao clima inóspito dessas terras nórdicas. Me vi em meio a decisões impossíveis de escolher a combinação de "amigas" que povoariam meu lar.
O processo criativo que me permitiu estar naquele oceano verde, com milhares de espécies à minha disposição, e selecionar aquelas que "brilhavam", que "me chamavam", cuja aparência de alguma forma me evocava uma sensação de acolhimento, isso eu também chamo de criatividade.
É dessa mesma forma que eu “vejo” fotos. É essa mesma atenção que eu uso para extrair a essência dos enredos que crio. São todas projeções de quem eu sou internamente, no mundo exterior.
E acredito que fazer isso com atenção, permitindo me sentir especial, singular, é uma forma de auto-cuidado, de cultivar meu amor-próprio, e mais uma forma de digerir os acontecimentos da vida, mas com o intuito de criar a partir deles e não apenas compreendê-los.
Espero que cada um que lê essas linhas tenha ao menos uma forma de expressar suas crivatividade, sua essência, e que a pratique com dedicação e cuidado, regulamente.
Fala-se tanto em exercitar corpo e mente para ter saúde; pois creio que o exercício da criatividade deveria ser incluído nesse pacote.
Obrigada por seguir comigo nesse oceano de experiências.
E até a próxima.